quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Fido (2006) Dir. Andrew Currie


Um filme de zumbi politizado

Confesso que sou muito chato para filmes com temática sobre ZUMBIS, não por ter aversão a eles, mas justamente por ser um apreciador irreversível dessa manifestação incomum de idéias. Desde criança, quando assistia aos filmes de zumbis, sempre pensava no caos que uma invasão de mortos-vivos causaria a estabilidade social. Imaginava (e ainda imagino) como homem civilizado, ou como prefiro definir, condicionado a “civilidade social”, abandonaria todas as suas crenças e regras; agarrar-se-ia a lei do mais forte para assim, eximir-se extinção diante da morte.

Afinal, o homem que conhecemos atualmente, é apenas um “mascote” dos costumes adquiridos, fruto da ociosidade evolutiva do ser e escravo das condições impostas pelo sistema. Infelizmente a maioria de nós, humanos, está acostumada à praticidade, aos valores baseados na presunçosa e condicionada imagem social. Então, imagine uma invasão de mortos-vivos. Reflita como essa catástrofe social colocaria todos os valores ínfimos à beira da decadência. Afinal, diante da sobrevivência não haveria rico ou pobre, nem deus ou diabo; apenas nós, contra tudo aquilo que um dia fomos e breve nos “tornaremos”: mortos-vivos, devoradores de carne humana. 

 The Return of Living Dead (1985)
Portanto, apesar de toda idéia pré-determinada e preconceituosa sobre os filmes do gênero, eles trazem uma reflexão incomum, algo que vai muito além da podridão, dilaceração, maceração e carnificina. É claro, realmente existem muitos filmes ruins, eu já assisti praticamente todos para saber quais são os ditos infelizes. Quais são aqueles que não passam de uma mera contagem progressiva de corpos e mutilações diversas, distantes daqueles outros que realmente abordam assuntos específicos, com conflitos sociais e comportamentais, sempre equilibrados em uma dinâmica inteligente de personagens.

É claro, não é propriamente necessário ser um filme do Buñuel, um aclamado “O Anjo Exterminador (1962)”, para ser “Cult”. Como também não devemos creditar que a temática define a qualidade da obra. Mas tudo depende da qualidade do roteiro e o que de fato o diretor deseja expressar independente da atmosfera fantasiosa.

Afinal a morte é um enigma. As religiões dizem tudo sobre ela, mas jamais desmistificaram o seu segredo fúnebre, o que há além do umbral invisível, além de nossas supersticiosas e limitadas especulações. E se de fato, o que concerne aos segredos pós-morte fosse realmente o que especulam, todas as religiões concordariam em um ponto em comum. Mas as religiões não passam de um fruto da morte, uma pluralidade de ritos desconexos para aceitar o conceito natural da inexistência. Talvez, por não aceitar ou não compreender essa lei natural, nós humanos, criamos ritos e significados para essa dama vestes escuras. Portanto, trazer um cadáver a vida como fazem os filmes de horror, é questionar tal conceito, pensar no impacto da inexistência do ser em nossas vidas, mesmo que seja uma forma ímpar de reflexão.

E para os mais racionais que não se ofendem com algo tão natural, sabem interpretar e assimilar esse processo os filmes de zumbis não passam de um mero atrativo cultural. Afinal nem todos os filmes de zumbis (eu diria a maioria) são compostos de pura tragédia. Na verdade alguns são bem divertidos como é o caso do filme “Fido (2006)”, dirigido por Andrew Currie, que traz de maneira inteligente e engraçada tudo aquilo que podemos conceber sobre o processo mortuário. Indagando de forma criativa como nós, humanos, adaptamos as adversidades sociais a nossa realidade, tornando-as parte do cotidiano.


A EVOLUÇÃO DOS MORTOS-VIVOS
Novas idéias e maneiras inteligentes de narrar à extinção raça humana


Nunca gostei dos filmes de zumbis uniformes: um grupo de pessoas, matança em geral e final sem nexo. Isso só é bacana quando se tem 13 anos. No entanto, a falta de criatividade dos roteiristas no final da década 80 desvalorizou muito a temática, levando os filmes de zumbis a boca do lixo, decaindo além da marginalidade digna do underground que propiciaram clássicos como “Evil Dead (1981)” do Sam Raimi e Bruce Campbell.

Com a ascensão dos filmes do diretor George A. Romero em meados dos anos 70, muitos produtores caça níquel seguiram a sua idéia, porém, acabaram produzindo filmes sofríveis até para o mercado específico. Alguns deles nem valem a menção devido à pobreza de seu conteúdo. Infelizmente devido a essas “podreiras” sem nem um pingo de humor o gênero foi sendo marginalizado, caindo na decadência total, levando o próprio Romero abandonar o barco. O diretor chegou a fazer algumas tentativas em outras temáticas como o filme “Bruiser (2000)”, com o título em português “A Máscaras do Terror”. O filme tentou parecer “Um Dia de Fúria”, aquele com ator Michael Douglas, mas o resultado não foi lá àquelas coisas.

George A. Romero (2010)
 Para quem desconhece, George A. Romero é o diretor que estabeleceu discussões morais nos filmes com a temática “mortos-vivos”. Brincando com a aversão do público sobre a representação prática da morte, questionou muitas vezes o fato de como a humanidade irá encarar o ruir da própria espécie. Em seus filmes o diretor afasta a raça humana da soberania que a própria julga ter sobre as outras espécies, colocando-a sobre ameaça da extinção diante de algo tão banal como um vírus. Demonstra através de seus mortos que somos apenas mais um organismo, dentre bilhões que já existiram e foram extintos, viventes nesse precípuo organismo maior chamado planeta terra.

E se pensarmos um pouco, realmente nós somos apenas um ínfimo organismo em uma imensidão cósmica. A existência da raça humana não faz a mínima diferença para plena destruição planetária como julga nossa arrogância universal. Infelizmente, fantasiamos catástrofes, imaginamos que nós somos a ameaça suprema diante das causas que fará ruir o planeta azul para todo o sempre. No entanto, a destruição que provocamos em nosso meio apenas refletirá no fim de nossa própria espécie e na vida que nos permeia, nada mais. Afinal o nosso planeta, como um organismo vivo maior, encontrará defesas naturais e expurgará de seus órgãos os minúsculos vírus causadores dessas pequenas chagas. Ele já fez isso há bilhões de anos atrás, fará novamente. É empáfia pressupor que um organismo de bilhões de anos de existência, que já suportou chuvas meteóricas, ácidas, ebulições vulcânicas e teve em seu útero milhares de outros seres vivos desconhecidos por nós, já extintos; é idiotice supor que este mesmo organismo irá ruir pela existência da raça humana. Nós, humanos, que fazemos parte de 1 milésimo de segundo de sua história universal, não faremos a diferença. Os zumbis de Romero pressupõem essa simples lógica: a nossa arrogância e inconsciência.

Antes de Romero os filmes de zumbis retratavam os mortos-vivos apenas como mostros comedores de carne humana. Romero recompôs a idéia, utilizou os zumbis com ponto de uma narrativa sobre a sociedade de consumo. Em seus filmes os mortos-vivos são a representação simbólica da inconsciência humana diante do meio em que vive. Em um de seus clássicos, “Dawn of the Dead (1978)”, divulgado aqui no Brasil como “Despertar dos Mortos”, o diretor narra a história de um grupo de jovens que se refugiam em um shopping. Com o passar dos dias os sobreviventes percebem que os zumbis, extintivamente, retornam a certos lugares comuns em vida e lá ficam apenas vagando como sombras de uma história esquecida. Os sobreviventes começam a analisar o comportamento das criaturas e percebem que elas reproduzem instintivamente os hábitos de consumo que tinham em vida.

 Dawn of the Dead (1978)

Apesar de parecer precário, pois os zumbis de 1970 parecem mais anêmicos do que mortos-vivos, “Dawn of the Dead (1978)” se tornou um clássico justamente por abordar alguns pontos comportamentais de nossa sociedade. Foi um dos primeiros filmes que mostrou a morte de crianças, apesar de a cena parecer um tanto cômica. Foi um passo para novas perspectivas com a temática “zumbis”.

Já o ano 2000 foi o marco para o retorno dos zumbis com a origem de roteiros bem elaborados e grandes produções. Em 2002 entrou em cartaz “28 days later (Extermínio)”, produção de baixo orçamento oriunda direto do Reino Unido, dirigido por Danny Boyle e escrito por Alex Garland. Apesar da sonoridade “baixo orçamento” o filme é magnífico, tanto em efeitos visuais, argumentação, trama e composição dos personagens. O filme resgatou a idéia primogênita contida na antologia de George Romero. Com isso, bastou que os dólares começassem a entrar nos cofres da Fox com a produção britânica para que a Universal anunciasse o retorno de “Dawn of the Dead”.

 28 days later (2002)

A produtora chamou James Gunn para adaptar o roteiro de George A. Romero aos tempos atuais. Na direção convocou o estreante em longas-metragens Zack Snyder. Então em 2004 surgiu o remake de de “Dawn of the Dead (2004)”, apresentado aqui no Brasil com o título “Madrugada dos Mortos”. O filme trouxe várias discussões raciais e religiosas, inclusive trazendo a controvérsia que gerou muita discussão entre os cinéfilos “Os zumbis podem correr?”. Para quem não assistiu, recomendo o DVD com a versão estendida do diretor, além do filme vem com um interessantíssimo making off e entrevistas. O filme superou todas as minhas expectativas e na minha opinião, Zack Snyder, se consagrou um excelente diretor.

“28 days later (2002)” e o retorno de “Dawn of the Dead (2004)” abriram as portas para grandes e inovadoras produções. George Romero voltou ativa em 2005 lançando “Land of the Dead (Terra dos Mortos)” em parceria com as produtoras do Canadá e da França. O filme da continuidade a saga sobre a sobrevivência humana, só que desta vez com uma circunstância incomum, o diretor aborda a narrativa de um determinado grupo de zumbis que despertam a consciência sobre a sua condição, reivindicando seus direitos e buscando uma certa “liberdade”. O filme traz a idéia das grandes empresas que exploram o caos criando uma comunidade alternativa para quem possa pagar tal luxo, sendo que do outro lado sobrevivem os excluídos, humanos remanescentes do caos, viventes em guetos. A trama evolui com a luta dessas classes distintas pelo direito a sobrevivência, brincando com a idéia de um estado laico.

Dawn of the Dead (2004) 

Após essa abertura no cenário do cinema de horror, surgiram outros grandes filmes, como o fabuloso “REC (2007)” dos espanhóis Jaume Balagueró e Paco Plaza. Considero este filme um dos trabalhos mais incríveis da atualidade que souberam utilizar à temática “contagio por vírus” e “mortos-vivos”. O filme utiliza como narrativa o método similar ao dos documentários, empregando elementos muito inteligentes na argumentação dos fatos, compondo a trama perfeitamente, digna dos suspenses de Alfred Hitchcock. Mais incrível que isso, somente o filme produzido com 70 dólares do diretor britânico Marc Price, “Colin (2009)”. A produção se destaca por ter sido o primeiro filme a abordar uma invasão zumbi pela perspectiva de um zumbi e não pelos sobreviventes. O filme é poético e melancólico, pois com o transcorrer da história, os fatos vão se encaixando e o telespectador vai conhecendo a natureza humana oculta no morto-vivo – histórias, esperanças, pessoas e sentimentos que ele deixou para trás.

É claro que comentei apenas os filmes de crucial valor. Eu teria que escrever um livro sobre o assunto para comentar os outros que fizeram a diferença. Como podemos ver o século 21 trouxe novas perspectivas para essa temática tão singular. Mas mesmo assim, o humor e zumbis, nunca deram um resultado sério, apenas produções cômicas ou lastimáveis demais. Por isso apresento a vocês, amigos(as) leitores(ras), FIDO uma interessante perspectiva sobre a idéia de mesclar humor, zumbis e um roteiro incomum.


FIDO
O Mascote Zumbi



A história se inicia com uma pequena narrativa, quando uma nuvem de radiação espacial envolveu o planeta Terra trazendo os mortos de volta a vida. Ninguém está mais seguro, qualquer ser vivo, principalmente humanos, são devorados por essas criaturas. Teve-se início a uma grande guerra que foi vencida pelos humanos quando estes descobriram que os zumbis não conseguiam sobreviver se fossem decapitados, cremados ou tivessem seu cérebro esmagado. Foi então que a corporação governamental, a Zomcon, desenvolveu uma coleira movida a controle remoto capaz de desprover os mortos-vivos de seu instinto assassino. A partir daí, quase toda família de classe média passou a ter o seu escravo zumbi escravo para realizar as tarefas do lar.

O fato mais interessante dessa narrativa é o período histórico em que ela se apresenta. Pouquíssimos períodos da história do século XX serviram de cenário para tantos filmes como os anos 50. Isso devido à identidade visual e cultural que esta época representa para os americanos, principalmente, devido à prosperidade econômica pós-guerra que propiciou o aumento do consumo, a expansão dos subúrbios e a disseminação do modelo de família feliz idealizada, vistas em muitos filmes e seriados.  No entanto, essa imagem de desenvolvimento oculta sérios problemas como violência doméstica, pais negligentes, aumento da delinqüência juvenil, falso moralismo e a obsessão por commodities como televisores, casas e carros.


Em “Fido (2006)” os zumbis fazem parte dos tais “commodities” de consumo. Após o controle da invasão dos zumbis pela empresa Zomcon, aqueles que não foram exterminados, serviram as necessidades dos viventes. Com a coleira de controle de instinto muitos zumbis foram adaptados para executar tarefas secundárias como entregar jornais, limpar a rua, passear com o cachorro e ser uma espécie de “empregado faz-tudo” para a família que adquirisse um modelo. Tornando-se mais um “eletrodoméstico”.

É em meio a esse panorama caótico e surreal que se desenrola a bizarra (e engraçada) história de amizade entre o garoto Timmy Robinson (K’Sun Ray) e o zumbi Fido (Billy Conelly). Timmy é um garoto solitário que sofre bullying na escola e não recebe muita atenção de seu pai (Dylan Baker). Quando o chefe de segurança da Zomcon (Henry Czerny) se muda para uma casa na vizinhança, a mãe de Timmy (Carrie-Anne Moss) adquire um escravo zumbi contra a vontade de seu marido, para que os novos vizinhos não os achem esquisitos por serem os únicos do bairro a não ter um.

O que se segue é uma brilhante paródia de filmes no estilo “um garoto e o seu cachorro” trabalhando o tema de maneira sórdida e cômica. É tão engraçado e singular, que posso dizer que FIDO é o fruto de algum zumbi bastardo de George Romero com a cadela Lassie. O filme ainda encontra espaço para expor as mazelas da sociedade estadunidense dos anos 50 e da atualidade. Escravidão, racismo, imigração e porte de armas são algumas das muitas questões que podem ser levantadas ao longo da narrativa.


Um dos personagens mais interessantes, pois todos de certa forma têm um certo carisma, porém, o destaque peculiar vai para a zumbi (ou poderíamos dizer “zumboa”) Tammy, interpretado pela belíssima atriz Sonja Bennett. Ela é uma espécie de “esposa” do solteirão cômico, Sr. Theopolis, interpretado pelo ator Tim Blake Nelson. Não fica muito evidente a natureza dos fatos, se Tammy era esposa do Sr. Theopolis ou se o Sr. Theopolis adquiriu a distinta para abrandar a sua solidão corpórea. No entanto, o que torna a análise interessante, apesar de não ser algo explícito, é a analogia feita com a necrofilia ou inventividade humana para hábitos esquisitos.

 Tammy e Sr. Theopolis

Imagine comigo a possibilidade remota de uma catástrofe social dessa natureza. Com certeza, pois a natureza humana é bizarra, se houvesse tal possibilidade, veríamos nas lojas, ao invés de bonecas infláveis, “zumboas” (com todo humor que esse texto me permite) em estado degustável expostas a venda. A zumbi, Tammy, não representa apenas essa possibilidade bizarra, mas a realidade atual, o fato de que toda mulher não passa de um objeto de consumo. Nossa sociedade é machista e os meios de consumo vendem essa ideal, além das próprias mulheres, que esculpem o corpo para alcançar o ideal estético social. Algo que vai muito além da estética voltada para saúde física. Vide a imensa gama de “mulheres frutas”, forjadas como “artistas” que não passam de produto para consumo.

Mas voltando aos zumbis. Dirigido pelo canadense Andrew Currie, Fido – O Mascote é um filme divertido e inteligente que não se leva a sério demais e nem debanda completamente para o lado do besteirol como fez o lastimável “Todo Mundo Quase Morto (2004)”. Um verdadeiro lixo que tentou fazer humor utilizando à temática zumbis.

Humor tem que ser sarcástico e inteligente para ser digno, do contrário o resultado é mais uma franquia lixo como “Pânico” e filmes pastelões típicos. Quando se trata de comédia com algo de “terror”, humor negro, prefiro os filmes trashs e gore da década de 80 como “Braindead (Fome Animal/ 1992)”, “Basket Case (1982)”, “Re-animator (1985)” dentre muitos outros clássicos B insubstituíveis. O diretor Andrew Currie, provou que não importa a sincronia que se pretende seguir em um filme de zumbi, o importante é uma história criativa seguida de um roteiro inteligente de igual valor.

FICHA TÉCNICA:

Título Original: Fido
Gênero: Comédia
Ano de Lançamento: (Canadá) 2006
Direção: Andrew Currie

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