domingo, 6 de março de 2011

La Herencia Valdemar (2010) Dir. José Luis Alemán


 La Herencia Valdemar
(O Legado de Valdemar)

Desde que tive contato com o cinema espanhol, nunca mais vi os filmes com teor fantástico da mesma forma. Os cineastas espanhóis têm uma forma singular e única de narrar suas lendas. Uma forma não-linear que aguça a perspectiva do telespectador. Em suas películas o fantástico ou o horror não está diretamente ligado ao susto visual ou ao terror ‘americanizado’ daquilo que  considero grotesco e pavoroso. O fragmento fantástico do cinema espanhol está intricadamente ligado com a progressão da história, envolto a narrativa, tecendo uma trama inverossímil que vai se encaixando pouco a pouco, transformando-se em algo surpreendente com a conclusão dos fatos.

Já são clássicos do cinema espanhol filmes como “El Laberinto del Fauno  (O Labirinto do Fauno)”; "Espinazo del Diablo (A Espinha do Diabo)" de Guillermo del Toro, “El Orfanato (O Orfanato)” de Juan Antonio Bayona e o fantástico “REC” de Jaume Balagueró e Paco Plaza. Filmes únicos!

No entanto, o cinema fantástico espanhol, graças ao sagrado Cthulhu, ainda tem muito a nos apresentar. Tive essa concepção assistindo “La Herencia Valdemar (O Legado de Valdemar)” do diretor José Luis Alemán. Um dos pouquíssimos filmes que tive o prazer de assistir e presenciar uma abordagem séria da cosmologia literária do fantástico escritor H.P Lovecraft.



O LEGADO DE VALDEMAR
Uma história que oculta um passado sombrio


O início do filme é centrado em Luisa Llorente, uma perita em avaliar construções antigas que é encarregada de coordenar um inventário de posse de bens de uma mansão vitoriana pertencente à família Valdemar. Ao chegar ao local a moça se depara com estranhos eventos sobrenaturais e uma estranha criatura com feições humanas que parece habitar a mansão desde tempos inomináveis.

Luisa Llorente

À primeira vista, os vinte minutos iniciais parecem banais ou até mesmo nada reveladores, criando uma impressão de repetição ou algo que já vimos anteriormente no cinema americano. No entanto o filme vai moldando um novo eixo, criando uma narrativa não-linear após o desaparecimento inexplicável da corretora de imóveis. Até exato momento, Luisa Llorente era a personagem central da trama. Com o seu desaparecimento a empresa, por razões desconhecidas, não deseja o envolvimento da policia. Portanto, contratam o detive particular, Nicholas Tramel que fica responsável pelo caso.

Nicholas Tramel e Nora
Tramel faz uma longa viagem de trem ao vilarejo aonde se encontra a Mansão Valdemar. Em sua companhia a empresa designou Nora, uma mulher fria e direta, presidente da Fundação Valdemar. Nora tem a incumbência de colocar o detetive Tramel diante dos fatos que permeiam o legado Valdemar. É a partir deste ponto que a trama começa ficar cada vez mais interessante.

RUMO AO SÉCULO XIX

Nora inicia a sua narrativa sobre o casal Beatriz e Lázarus Valdemar. Apartir de agora o filme adentra em outra atmosfera. Aprofundando-se nas veredas do século XIX, criando os fragmentos que permeiam os mistérios que fazem jus ao título do filme. Conta-se então a história de Lázarus, um homem aparentemente feliz, apesar de sua esposa ser incapaz de dar-lhe um primogênito. Diante do infortúnio da natureza, mas muito apaixonados, ambos adotam várias crianças, tornando a mansão em uma espécie de orfanato.

É neste ambiente que Lázarus exercita sua segunda paixão, a fotografia familiar. Todavia, depois de um tempo ele se cansou das fotografias familiares e começou a praticar novas experiências incomuns, chegando até aprofundar-se no ocultismo. Entre várias experimentações e truques ópticos como difusões, fundos negros e exposições duplas. Lázarus descobriu algo revelador, a fotografia psíquica.


Foi então que ele teve uma grande idéia. O espiritismo era algo novo e preste a se tornar uma moda. Lázarus começou a ganhar fortuna fazendo sessões espíritas. Prometendo aos seus participantes a certeza do último registro ao lado de seu ente querido. Tais sessões acabam chamando a atenção de Alester Crowley (mago e charlatão inglês) que propõe fazer um ritual proibido, conhecido como “O Ritual de Dunwich”.


H.P LOVECRAFT


O Ritual de Dunwich é inspirado em um conto do escritor de literatura fantástica H.P Lovecraft. O suposto ritual é mencionado no conto “O Horror em Dunwich”. Dunwich, segundo o conto do autor, é um vilarejo localizado em Massachusetts, um dos 50 estados dos Estados Unidos da América, localizado na região da Nova Inglaterra. Neste vilarejo oculto entre penhascos e floresta, por volta de 1747, era praticado estranhos rituais de evocações que clamavam por seres ocultos além das montanhas. O ritual consistia, sendo a narrativa fantasiosa do autor, abrir o portal entre as dimensões que separam a nossa realidade do desconhecido.

Alester Crowley
A narrativa do filme é justamente inspirada neste conto de Lovecraft. Crowley, a fim de persuadir Lázarus, conta-lhe sobre todo o sortilégio do conhecimento adquirido. No entanto o ritual sai do controle, evocando uma criatura inominável das profundezas do desconhecido.


CURIOSIDADES DO FILME


La Herencia Valdemar tem algumas coisas muito interessantes que não podem passar em branco. A primeira delas é a impecável caracterização de época e a perfeita simetria narrativa que torna o enredo interessante, narrando de forma concisa à cosmologia do universo tétrico de Lovecraft. O próprio José Luis Alemán proferiu em uma entrevista sobre as dificuldades de se fazer um filme baseado na obra do escritor. Justamente devido à profundeza de detalhes que existe em seus contos e a profundidade da narrativa, muitas vezes, com ausência de diálogos. Mas após a experiência de assistir ao filme, garanto que o diretor teve muito êxito.

Outro fato interessante sobre o filme são os personagens que se apresentam. Para a execução do ritual de Dunwich o mago Alester Crowley traz em sua companhia quatro figurinhas interessantes do século XIX. A Sra. Belle Gunnes uma das maiores serial killers de sua época. Podemos dizer que a dona Gunnes é a própria personificação da Viúva Negra, pois todos os seus casamentos terminavam com uma morte inesperada. Narra à história que ela já matou mais de 40 pessoas durante uma década. Todas as mortes envolviam heranças e seguros de vida.

Temos também, a Sra. Lizzie Borden, uma solteirona da Nova Inglaterra que ficou popularmente conhecida pelo homicídio duplo a machadadas brutais de seu pai e sua madrasta.  Alguns murmúrios dizem que ela era lésbica e sua madrasta não aceitou tal situação. Sim, Lizzie Borden também é o nome de uma banda de Heavy Metal (Leia-se glitter metal) muito conhecida nos anos 80. E por fim, outras duas personalidades bem conhecidas: o escritor Bram Stoker, autor do Drácula e o musicista italiano Sr. Luglio Fuchini.

Reyes Abades responsável pelos impressionantes Efeitos Visuais
La Herencia Valdemar é o primeiro filme em toda a história do cinema espanhol feito sem subsídios do governo espanhol. E também o último filme de Paul Naschy, que faleceu em 30 de novembro de 2009.

Os efeitos especiais ficam por conta de Reyes Abades, mestre consagrado responsável também pelos impressionantes efeitos visuais de “El Laberinto del Fauno  (O Labirinto do Fauno)”do diretor Guillermo del Toro.

FICHA TÉCNICA

Diretor: José Luis Alemán
Elenco: Silvia Abascal, Jimmy Barnatán, Lino Braxe, Ana Bullón, Ignacio García-Bustelo, Luis García, Óscar Jaenada, Soraya Padrao.
Produção: Íñigo Marco
Roteiro: José Luis Alemán
Fotografia: David Azcano
Trilha Sonora: Arnau Bataller
Ano: 2010
País: Espanha
Gênero: Suspense/ Drama


CONFIRA

O Site do Filme - www.laherenciavaldemar.com

Assista o Making OFF - Assista AQUI

ARQUIVO

Torrent + Legenda em Português (LHV.rar)

 


H.P LOVECRAFT

Faça download do conto que inspirou o filme
- O Horror de Dunwich - H.P Lovecraft [download]

Conheça mais sobre o autor acessando o melhor site sobre Lovecraft do Brasil.
www.sitelovecraft.com

sexta-feira, 4 de março de 2011

Lado B - Como Fazer um Longa sem Grana no Brasil (2007) Dir. Marcelo Galvao


Lado B - Como Fazer Um Longa Sem Grana no Brasil


Atualmente com o advento da internet qualquer indivíduo, pensante ou não, pode produzir um vídeo. Na maioria das vezes somos obrigados a ver um número infindável de produções toscas com comicidade duvidosa devido à ausência de algo primordial no ser: Senso-crítico e criatividade. Infelizmente, diariamente a internet regurgita uma quantidade incalculável de vídeos de péssima qualidade, cheios de “Eu quero ser artista” ou com o subtítulo de “produção independente” ou “curta-metragem”, carregando cunhado em seu eixo o rótulo de Trash ou produções B.


O CINEMA INDEPENDENTE


Não basta apenas ter uma idéia na cabeça e uma câmera na mão para se produzir um filme. E com certeza a tal inclusão digital facilitou muito para que os meios de propagação visual se tornassem cada vez mais obscuro para os produtores independentes. Dificilmente o público tem acesso às produções independentes com caráter profissional. É claro que não posso deixar de admitir que a inclusão digital abriu as portas para um meio que era dominado somente por aqueles que tinham equipamentos profissionais, materiais adequados  e meios para executá-los. No entanto, a tal inclusão digital é uma faca de dois gumes: o fácil acesso onde todos são expostos, porém poucos são ouvidos.

O diretor Marcelo expõe no documentário as duras penas de se fazer cinema no Brasil
Produzir um filme, seja ele um longa-metragem ou um curta, muitas vezes requer um custo considerável e um respeito patriótico à produção cultural do país, algo que o nosso Brasil raramente se demonstra prestativo a exercer. O cineasta e seu projeto ficam diante de duas facas afiadas. De um lado temos o governo que “disponibiliza” a verba de incentivo a cultura, porém, essa tal “disponibilidade” exige um certo apadrinhamento e amizade com aqueles que vão julgar se o seu projeto é viável ou não. Por outro lado nos resta alguns empresários de mentalidade inferior que, na maioria das vezes, vê a arte como uma propaganda publicitária de sua marca. E hipocritamente não associam a sua marca com temas e questões polêmicas. São esses mesmos algozes do capital que falseiam suas penas de abutres com propagandas sobre responsabilidade social. Então resta ao cineasta independente a  cara limpa, a coragem e a criatividade.


PRODUÇÃO SEM GRANA E COM CORAGEM 
O documentário que expões as verdades que não concorrem ao Oscar

De frente com a realidade surgiu esse interessantíssimo documentário do diretor Marcelo Galvão. Que além de ser o retrato cru da realidade nua do cinema independente nacional, sem sombra de dúvidas é uma aula de bravura (e dicas muito válidas!) do que é necessário para produzir um filme no Brasil.

O documentário conta com a participação do diretor Fernando Meirelles

O documentário relata as dificuldades da produção do primeiro longa de sua carreira, o premiado QUARTA B. O filme foi produzido com pouca verba e eleito o Melhor Filme pelo público na 29ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Por ser um filme com temas que ardem aos ouvidos dos patrocinadores - o efeito do uso das drogas - encarou várias dificuldades que vão desde intervenção evangélica até batida policial durante as filmagens.

Produção do filme Quarta B

Apesar do ponto de partida pouco esperançoso, o documentário apresenta uma versão bem-humorada do drama da equipe, recheado por depoimentos de pessoas importantes do cinema brasileiro, como Fernando Meirelles, Ugo Giorgetti, José Eduardo Belmonte, Alexandre Stockler, e Theodoro Fontes. Como profissionais, eles expõem suas próprias experiências e dificuldades.


SOBRE O DIRETOR MARCELO GALVÃO


Além do “Quarta B” o diretor Marcelo Galvão impressiona pela diversidade dos temas em que trabalha. Por exemplo, “Colegas, O Filme”. Segue a sinopse: “O filme que aborda de forma inocente e poética coisas simples da vida através dos olhos de três jovens com síndrome de Down. São eles: Stalone, Aninha e Márcio, colegas que se comunicam basicamente através de frases célebres de cinema, resultado dos anos em que trabalharam na videoteca do Instituto Madre Tereza, local onde vivem. E um dia, inspirados pelo filme Thelma & Louise, resolvem fugir no carro velho do jardineiro (Lima Duarte) em busca de seus sonhos (...)” (retirado do site do filme - www.colegasofilme.com.br)

Lima Duarte e Marcelo Galvão

Em outra aresta surge o interessantíssimo filme “Bellini e o Demônio” baseado no livro de Toni Belloto. O filme é o retorno as telas de Fábio Assunção. O ator interpreta o personagem Belini, o detetive que se vê em uma busca frenética, envolto em assassinatos brutais, rituais satânicos e visões macabras. O filme narra a busca de Belini para encontrar um livro considerado maldito, o conhecido “O Livro da Lei” de Aleister Crowley. Assistindo ao trailer no próprio site do filme (www.bellinieodemonio.com.br), tive a impressão, talvez equivocada, pois não assisti ao filme ainda, mas tive a impressão de uma semelhança com o “O Último Portal (The Ninth Gate)” do diretor Roman Polanski.

Fábio Assunção e Marcelo Galvão
O filme do Polanski também trata da história de um detetive, neste caso um comprador de livros antigos, Sr. Dean Corso (Johnny Depp) que é contratado por Boris Balkan (Frank Langella), um entusiasta por ocultismo que acabou de conseguir um raríssimo do livro do século 17 que, segundo a lenda, foi escrito a punhos pelo próprio Diabo e traz uma poderosa invocação satânica. Balkan deseja que o Sr Corso excursione pela Europa em busca de outros livros do mesmo autor para comprovar quais dos títulos são considerados os verdadeiros.

Provavelmente é apenas uma semelhança entre os filmes, “Bellini e o Demônio” será o próximo filme que irei assistir e assim poderei comprovar as diferenças. Mas fica aqui o meu respeito ao diretor Marcelo Galvão.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
sobre o documentário

O documentário é um reflexo fiel das dificuldades de se fazer filme no Brasil, não somente na questões financeiras, mas principalmente no obstáculo que é fazer com que todos os envolvidos abracem a sua idéia em todo o conceito e contexto que ela foi criada.  Pessoalmente tenho vários exemplos. Sou fotografo e redator por paixão, estou nessa busca ativa por quase 10 anos. Vislumbro as dificuldades. Não me refiro somente a arte cinematográfica, mas em outros projetos independentes que já iniciei ou estive inserido. Sem sombra de dúvidas, a maior dificuldade é fazer com que aqueles que estão como co-produtores de seu projeto, tenham o mesmo feeling e o rápido insight como você, vislumbrando os objetivos finais.

Eu já trabalhei em alguns curtas, já inscrevi os meus roteiros em projetos de incentivos culturais, já estive a mercê dos algozes citados anteriormente, já trabalhei de graça para cultivar colaboradores em projetos futuros. Sei o quanto é difícil conciliar e praticar aquilo que lhe estimula o sabor da vida (as artes e adjacentes), ainda mais conciliando com as obrigações sociais e econômicas que algumas vezes se apóiam em barreiras da própria falta de acesso a liberdade cultural.

A situação mais chata que me encontrei foi quando tiveram a cara de pau de pedir meu equipamento fotográfico emprestado, deixando nas entrelinhas a ausência da minha visão profissional. Mas isso já é coisa da cidade totalmente provinciana onde moro, chamada Maringá. Assunto que não irei me estender, pois o Imemorável é um site de opiniões e conteúdo, e não questões pessoais deste autor. 

Fechando o artigo, o documentário “Lado B - Como Fazer Um Longa Sem Grana no Brasil” é uma prova de que, em um país sem apoio a cultura, um bom filme tem que conter três coisas: um excelente roteiro, um grupo unido e perseverança.


FICHA TÉCNICA

Direção: Marcelo Galvão
Ano: 2007
Duração: 70 minutos
Origem: Brasil
Audio: Português
Legenda: Não

ARQUIVO

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