sábado, 18 de agosto de 2012

À L'INTÉRIEUR (2007) Dir. Alexandre Bustillo & Julien Maury






“A violação dos sentidos e o sentido da violação nunca esteve tão evidente.”
(Domenium)


“A Invasora” título divulgação para o original em francês “À l'intérieur” é o primeiro filme da dupla de cineastas, Alexandre Bustillo e Julien Maury. Os diretores foram influenciados pelos mestres da antiga linhagem como Dario Argento, Roman Polanski , Clive Barker e John Carpenter . Inclusive a dupla foi convidada para fazer um ‘reeboot’ do Cult 80’s do horror - “Hellraiser (1987)” de Clive Barker. Mas por divergências artísticas desistiram do projeto. O debut de fato ao cenário de filmes franceses extremos surgiu com a obra aqui em questão.  O enredo da película traz uma densa carga psicológica e imagens completamente angustiantes, indo da aflição visual ao gore em poucos segundos.  Sem contar a desenvoltura dos fatos, típico do gênero. Soma ao conteúdo uma temática incomum. A história de uma mulher grávida e seus questionamentos sobre o que irá existir, o universo externo que lhe invade a intimidade física, sentimental e psicológica. 
Alexandre Bustillo e Julien Maury
No entanto “À l'intérieur (A Invasora)” traz duas perspectivas dentro de um mesmo prisma. A primeira, uma visão mais evidente e crua,  expressa no gore e cenas de horror claustrofóbico. A segunda, contida no sub-roteiro que se desenvolve na subjetividade dos fatos, símbolos, arquétipos do universo feminino/masculino e seus personagens. É justamente essa diferença que suscitou o meu interesse em criar esse artigo mais detalhado. Espero que gostem.


A INVASORA


O filme se inicia com uma imagem peculiar, a figura de um bebê dentro do ventre e suas reações ao mundo externo. Alguns ruídos e sons nos dão indícios do que poderia estar ocorrendo fora de sua “bolha de segurança”. Após alguns segundos, novas imagens nos transportam para uma rodovia, somente os sons da chuva compõem a trilha sonora para as cenas que se desenham diante dos olhos do telespectador. Entre os destroços e o silêncio da incompreensão se encontra a jovem Sarah (Alysson Paradis) e ao lado o corpo do seu falecido esposo, Matthieu (Jean-Baptiste Tabourin).


Após esses fatos o filme prossegue em um futuro próximo, nove meses depois. Sarah se encontra em seus últimos meses de gestação, solitária em pleno natal, tendo como companhia as lembranças de seu esposo, a solitude de sua condição e sua máquina fotográfica. A fotografia se expressa através da personagem como uma espécie de “narrativa calada sobre as percepções mundanas e os sentimentos degustados através de uma perspectiva singular”. Algo que partilho semelhança, apesar da contextualização contrária ao meu viver, pois também compactuo da mesma atividade. Não sei se essa observação se enquadra a todos os fotógrafos, mas para mim a imagem é uma literatura visual, momento em que o silêncio se faz presente e apenas a imagem e meu olhar estão conectados. A fotografia é uma das formas em que percebo o próximo, observo o meio a minha volta, expresso meus sentimentos diante do objeto fotografado.


Mas voltando ao filme. As vésperas do nascimento do bebê sua única companhia física são as visitas esporádica de uma mãe completamente dominadora e um chefe totalmente egocêntrico, displicente com o momento e as sensações que visivelmente transformam Sarah. Ajudá-la, para ele, é apenas um mérito para que a profissional em repouso volte o mais rápido possível a sua função no tablóide sensacionalista, o qual é dono.

Neste momento a solidão é inevitável, o filme explicita isso, não somente pela ausência daquele que não está presente, mas principalmente devido à incompreensão de suas transformações em um universo atípico ao homem. Os diretores conseguiriam muito bem expressar a idéia da solidão como “um universo que pertence só a mim e a experiência que me entorpece”, através silêncio entre os móveis, a fina presença da luz e amplitude dos espaços. Tecendo finamente aos nossos olhos a visão angustiando do estar só, de não se reconhecer em nenhum outro espaço e ser indiferente ao mundo externo que caminha indiferentes a um microcosmo que se constroe.  


É justamente nessa solitude, neste retraimento da alma que Sarah se encontra em pleno natal, cultuando aquele que irá nascer. O silêncio só é quebrado quando uma estranha mulher bate à sua porta. Sarah, assustada, não atende aos chamados da estranha invasora. No entanto a mulher se recusa a ir embora. E para piorar, essa estranha figura demonstra ser muito íntima das condições que Sarah se encontra, sabendo seu nome e detalhes do fatídicos acidente automobilístico. Assustada, Sarah chama a policia. Que nada encontra de suspeito. Os policiais vão embora após tranqüiliza-la diante da ausência de fatos. Porém a estranha mulher já havia invadido seu universo íntimo, adentrado nas dependências de sua casa. É partir deste ponto que muitas coisas se transformam no filme, tomando uma linha completamente diferente.

Béatrice Dalle
O que os diretores Alexandre Bustillo e Julien Maury nos trazem a seguir são momentos interruptos de aflições psicológicas, loucura, violência e gore. A estranha mulher definida no roteiro como “La femme” é interpretada pela fantástica atriz Béatrice Dalle. Os diretores foram de uma sagacidade descomunal ao convidar Béatrice para esse papel, pois a atriz notavelmente já é estranha e suas expressões de sadismo e loucura se manifestam quase naturalmente.

Fatos interessantes sobre a atriz. Aos catorze anos a jovem Béatrice se torna ícone do movimento punk, sendo notada por um fotógrafo que a convence a posar para a revista "Photo". As fotografias publicadas despertam o interesse do agente artístico Dominique Besnehard. Este propõem a jovem , em 1985, a contracenar com o ator Jean-Hugues Anglade na película “37°2 le matin” de Jean-Jacques Beineix. Devido à impetuosa atuação Béatrice é lançada ao universo da sétima arte. E devido a sua beleza exótica nos anos 80 a sua imagem esteve sempre vinculada ao estilo "sex-appeal" de se viver. No entanto com o abuso de drogas e contravenção as leis sua fama mudou, tornaram-a uma espécie Amy Winehouse parisiense. Vamos brincar com os fatos, talvez essa seja a razão de ter se encaixado tão perfeitamente em uma personagem pirada e excêntrica. Outro fato curioso sobre Béatrice Dalle é que seu sobrenome tem origem matrimonial com o pintor Jean-François Dalle, do qual, se divorciou três anos depois e que curiosamente cometeu suicídio.

Esquerda para Direita: Béatrice Dalle, François Maury, Julien Maury, Alysson Paradis and Alexandre Bustillo.

Até que o filme chegue ao grande clímax de gore e do próprio desfecho da história, veremos uma luta de vida e morte entre Sarah e a estranha “La femme” que a todo custo tenta retirar o bebê das entranhas da protagonista. A primeira vista muitos irão pensar que os diretores tentaram ganhar o público com a tal violência gratuita como ocorre em filmes como “O massacre da serra-elétrica”. 

Mas se analisarmos o sub-enredo que se desenvolve paralelo a obra, seus signos e significados, perceberemos que a violência está contextualizada em fatores da natureza feminina diante da preservação da espécie. Algo que para alguns homens tornam o arquétipo da mulher uma “leitura estranha”. De fato a natureza inconsciente do homem perante a espécie é de perpetuação. E claro que atualmente muitos homens "vivem do inconsciente", da manifestação única do seu falo, do seu ego, reflexos da sociedade de consumo, mas isso não cabe a narrativa do filme. É uma opinião filosófica que caminhará por outras arestas. Vamos ao sub-enredo aqui proposto.


O LADO B DA HISTÓRIA
 Algo que talvez tenha passado imperceptível aos olhos


Talvez o que irei dizer seja desconexo caso não tenha visto o filme. E o que será dito não irá interferir nas surpresas que o filme possa oferecer. Pelo contrário, acredito que ajudará ainda mais a degustar a progressão dos fatos. Se observarmos como demorada atenção, iremos perceber que o filme faz uma narrativa completa sobre o universo feminino e que a imagem masculina é completamente secundária e imperfeita dentro do enredo. O título da película “À L' intérieur” pode ser traduzido como “dentro”. E diante disso já podemos fazer interpretações como: o filme faz a narrativa de quem está no interior e de quem está no exterior; ou sobre a possível invasão da “casa”, seja no ambiente físico, moral ou íntimo. 

No entanto a narrativa principal, oculta no sub-enredo, não é de quem está dentro ou fora. O discurso pertence ao universo feminino. O discurso é sobre o instinto materno, as sensações emocionais e químicas da progenitora da vida, sobre a incoerência e incompreensão da perspectiva racional masculina, diante da perspectiva racional feminina. 


Uma das primeiras figuras masculinas descaracterizada no filme e que nos mostra a luz para essa análise é o marido de Sarah. Após a sua morte nada mais é trazido a narrativa para demonstrar a sua importância no enredo. A imagem masculina durante todo filme é fugaz e somente se fará presente para frisar ao telespectador a incapacidade masculina dentro da racionalidade de se entender o universo feminino. 

Não posso deixar de comentar que a morte do marido é totalmente simbólica, dizendo através de sutilezas que Sarah foi libertada do mundo simbólico, respirando e vivenciando com plenitude a simbiose materna imaginária. Um universo impar as concepções masculinas. 

E portanto, justamente devido à incapacidade de tal percepção, fica expressa em uma cena singular a figura de um médico, durante o exame de quatro meses de gestação, após o acidente, o sujeito em questão (figura masculina) não consegue invocar com palavras nenhuma manifestação amistosa a Sarah. É uma demonstração clara de sua limitação diante das transformações, a qual, consegue compreender  aquilo que se expressa no âmbito da carne.

O filme traz a solidão. A vontaque que a Sarah têm de ficar sozinha no natal demonstra que está completa. Ou seja, o desejo, que sempre significa na mulher o “não ter algo”, está completo, ela já tem o que a completa, o bebê. O equilíbrio perfeito, o ciclo que se fecha.


Já a “La femme”, figura que persegue a protagonista, compartilha de seu registro feminino imaginário, pois compadece dos mesmos sentimentos e da mesma situação, porém de maneira oposta. (Não irei revelar o quê senão entregarei o ‘x’ da questão) Por isso a presença da máquina fotográfica é tão evidente em algumas cenas, dentro do contexto, a fotografia exerce o papel narrativo ao dizer que ambas são detentoras da imagem que ninguém pode enxergar.

Todos os homens que adentram na casa são sugados por não “perceberem” o que está acontecendo. A lógica masculina impossibilitada de se comunicar com a lógica feminina. Apenas Sarah e “La femme” tem consciência do processo, do culto a vida que estão exercendo. E todos os homens que porventura decidem interromper “o ritual lilithico” que se constroem na troca de forças entre ambas, acabam por serem mutilados. Cada “morte masculina” é um sacrifício realizado em prol da grande deusa. E as mulheres/mães acabam ficando mais fortes e invencíveis diante do sangue derramado. 


Nesta “dança frenética” o foco central se encontra na figura mítica do bebê. Ele simboliza uma nova ordem a ser restaurada. Não é mencionado no filme, mas está condito nas entrelinhas à sexualidade do bebê, é um menino, sem nome, e quando o tiver entrará no universo simbólico masculino. O seu nascimento é uma espécie de “equilíbrio restaurado”, algo que não acontecerá no filme.

A maioria dos símbolos são bem evidentes como o fato do bebê nascer no natal, isso faz uma analogia ao nascimento de Jesus Cristo. Os três policias que surgem representam os três reis magos da mitologia cristã. Assim como a ausência do pai verdadeiro (e suas lembranças constante) representam a presença invisível do criador. Ou podemos interpretar de forma oposta, pois se prestarmos muita atenção, veremos que no início do filme o número que demarca a residência de Sarah é 666. Portanto, podemos interpretar como não sendo o filho do pai que nascerá ali, mas sim o primogênito de Lilith, a rainha dos demônios da mitologia hebraica.   


Evitei muitas descrições das cenas para não fazer nenhum spoiler do filme. Mas a pergunta crucial que a obra nos traz é: “Por que Sarah está sendo atacada pela estranha invasora?”. Esse é ponto de equilíbrio que elucidará os momentos finais, cruciais. 


A obra em si sintetiza a diferença, não moral, mas natural entre “masculino e feminino”. Apesar de vivermos em uma sociedade dita como civilizada, ainda assim, somos regidos por nossa natureza, ou seja, a força matriz que existe nos apostos, razão primordial da preservação da espécie e gênero: homo sapiens. Em certo nível, inconsciente ou não, a natureza feminina será incompreensível a natureza masculina, vice e versa. Nós, seres humanos, enquanto espécie e não individuo, inconscientemente sempre agiremos em virtude da espécie. Já o que eleva nossos sentimentos além do coito, pessoalmente e filosoficamente falando, é a única razão pela qual nos difere dos outros animais: a consciência do viver e morrer. 


CONCLUSÕES FILOSÓFICAS
ou tolices de minha parte, fica à escolha.


A percepção perante a morte e a sensibilidade do viver é a polidez de nossos sentidos. Essa “polidez” é necessária para que possamos encontrar no próximo, além do coito, além da preservação da espécie, o equilíbrio perfeito. Ao contrário do instinto natural da preservação que define como perfeito, fêmea ou o macho que esteja adequado a fecundação de um novo individuo.

E justamente a tal “polidez” é que nos difere dos outros animais, oferecendo-nos a vantagem de não vivermos apenas pelo instinto. Polidez que podemos chamar de consciência do que somos. Somos o pedaço de carne finita que enxerga uma alma presa ao infinito. Somos a triste consciência que percebe a tragédia de viver. E ao percebermos tais fatos, nós, seres humanos, mesmo que ainda sejamos naturalmente motivados pela força natural da preservação da espécie, ainda sim, desejamos viver com mais plenitude tudo aquilo que compreendemos como vida.  Por essa razão as artes existem para expressar as angustias que fazem vibrar a nossa alma e o pulsar de nosso coração. Por isso, acredito, que a verdadeira materialização do amor é a consciência daquilo que se sente, são todos os contextos dentro das relações humanas em equilíbrio (ou a passos para isso), pois qualquer outro sentimento, nascido apenas da singularidade do impulso, nada mais é que a natureza manifestando o seu desejo inconsciente de preservar a espécie.  Que não é nada mal, se soubermos por que nutrimos sentimentos pelo próximo. Já as ações de Sarah e a sua agressora, nada mais, nada menos, representam a espécie agindo dentro do gênero humano, no seio progenitor da vida singular, no impasse da natureza feminina.

E para concluir. Esse filme veio em um momento crucial. Já alguns meses ando estudando para executar um projeto fotográfico intitulado “A manifestação do amor na sociedade contemporânea”. Não entrarei em muitos detalhes, mas quando pronto, aqui demostrarei, pois também já terei aonde expor por ajuda e interesses de alguns amigos do meio artístico. Mas para sintetizar, a base da idéia é demonstrar que algumas relações humanas dentro da sociedade atual – sociedade de consumo - são baseadas no custo/beneficio.

Portanto, comecei meus estudos pelos desejos, o sentido de preservação da espécie para confrontar com a minha opinião, como expressa acima. Ao mesmo tempo em que assisti “À l'intérieur (A Invasora)” havia acabado de concluir em algumas semanas o livro “Metafísica do amor Metafísica da morte” de Schopenhauer e já iniciava “Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo” do Jung. Por isso peço desculpas pela extensão do artigo. E claro, uma nova ou oposta visão, sempre será bem-vinda, pois todo ato é um aprendizado. Este é o meu. No entanto, penso comigo, se eu não tivesse conectado com esse desejo de conhecimento, jamais teria essa visão perante a película.

Bom. Espero que gostem do filme, espero que comentem. É sempre um prazer ver outros pontos de vista. Bom filme! 

FICHA TÉCNICA

Direção:  Alexandre Bustillo e Julien Maury
Gênero: Drama/Horror/ Gore
Odioma: Francês
Origem: França
Ano: 2007
Atores: Béatrice Dalle, Alysson Paradis, Nathalie Roussel, François-Régis Marchasson, Jean-Baptiste Tabourin
Nota:85/100


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4 comentários:

Unknown disse...

rapaz... ótima opinião!!! parabéns pelo trabalho!

Marcela B. Zadra disse...

Adorei sua análise, principalmente sobre o lado B. Sou fã do gênero, e apesar de estar meio adaptada ao modelo de hollywood, sempre busco alternativas que fogem ao padrão, aqueles filmes que você fala a respeito e quase ninguém conhece, sabe? haha
Esse filme me deixou extremamente perturbada! No final, consegui entender a razão daquilo tudo, consegui entender a cabeça da louca... Só não entendi o cara sem os olhos. Ele era um dos muitos que entraram ali e se deram mal ou tem outra coisa oculta na história??

Mais uma vez, parabéns pela escrita!

DOMENIUM disse...

MARCELA ZADRA

Olá Marcela Zadra. Primeiramente, agradeço o seu comentário, muito obrigado pelo elogio e principalmente por expôr a sua opinião!
Na verdade toda figura masculina mutilada no filme representa a limitada percepção sobre o ritual da vida que ali se apresenta. Já o gore é um estilo próprio dessa nova linha do cinema francês, conhecida como "cinema francês extremo". Que realmente utiliza de cenas explícitas, mas não a violência gratuita. O bacana do cinema francês (e espanhol) é justamente a narrativa. O que nos deixa pensativos é o impacto que as conclusões suscitaram em nossa concepção de moral sobre os limites da natureza humana. Ao contrário dos filmes Hollywoodianos que não exigem tanto essa reflexão do telespectador. Não sei se assistiu, mas segue uma dica bacana “Martyrs” do diretor Pascal Laugier. Aqui no blog há uma resenha sobre esse filme também.

Obrigado pelo comentário!

DOMENIUM disse...

"Anônimo"

Obrigado pelo comentário!