terça-feira, 22 de julho de 2014

Black Snake Moan (2006) Dir. Craig Brewer



“Quando o desejo corre entre as pernas como uma serpente rastejando no deserto. Quando o blues ecoa na alma canções de solidão, morte e desejo. Basta ser humano para se perder em tão íntimo caos” [Domenium]


Em quantos frames podemos ver Christina Ricci apenas de roupa íntima? Essa é a sensação que temos nos primeiros minutos de “Black Snake Moan”. Mas o filme vai muito além das primeiras premissas. A obra do diretor Craig Brewer nos leva a uma jornada de pedras. Narra a história de duas almas açoitadas por suas dores e mágoas, duas almas em busca da redenção de seus sentimentos. Cada qual em seu inferno particular, ambas vivendo no purgatório social situado em uma cidadezinha do interior. Quando ambas se encontram surge a conjuração dos polares opostos, Ying e Yang. O duelo entre a serpente e o cordeiro. Apenas o blues, o álcool e a esperança entre o céu e o inferno são as únicas certezas neste caminho sem volta.


BLUES, SUOR E CARNE

Christina Ricci é Rae Doole, uma jovem sem futuro vivendo na terra do nunca, uma pequena cidade do interior do Mississippi. Ricci é carne viva. É fogo que arde sem queimar. Em seu corpo uma serpente rasteja insaciável. Não sabemos se sexo é a sede de sua carne ou uma necessidade incompreensível de expurgar o vazio que ecoa em suas entranhas, clamando sua presença para as profundezas do íntimo caos. Mas de fato a jovem é uma ninfomaníaca irremediável aos olhos dos moradores. Carne fácil da cidade do interior. Michael Douglas ficaria no chinelo perto dos desejos insaciáveis dessa pequena volúpia.


Todos da cidade já conheciam o seu cheiro, seu gosto e as úmidas pétalas Rae Doole. Mas as coisas pareciam ter mudado de um tempo para cá. A pequena já não semeava seu polém em outros jardins. A vida da moça entrou em uma espécie de equilíbrio após começar a se envolver plenamente com um rapaz de família, um tal de Ronnie (Justin Timberlake). Mas como para a presença da dor basta existir a abstinência do amor. As coisas tomariam um outro rumo.  















Ronnie deixou a jovem, seguindo viagem para Tennessee a serviço da Guarda Nacional. Em sua ausência Rae Doole ouve novamente o caos sussurrar e a serpente dançar em suas entranhas até se transformar em um intenso desejo. Apartir daqui a viagem é uma intensa ladeira. Sexo, drogas, álcool e libertinagem fazem parte da jornada ao abismo de si mesma.

Na outra ponta da história temos Lazarus (Samuel L. Jackson), um fazendeiro profundamente religioso e bluesman aposentado. Ele vive um dilema moderno. Sua esposa o deixou por um homem mais jovem, pois via nas feições do agricultor o fim de sua própria vida. O dilema seria pouco se o amante de sua esposa não fosse seu próprio irmão. Com o orgulho ferido e um coração em sangria, Lazarus abraça o blues e o álcool para compor a melodia de sua desilusão. E como escapismo, o blues, a melancolia, sua guitarra, surge para alguém em um momento em que sua fé está ao ponto de ser testada.


É no meio do caminho que ambas as criaturas perdidas se encontram. De um lado a “succubus” Rae Doole devorando e deixando ser devorada pelo primeiro que cruzar o seu caminho. De outro lado, Lazarus um cordeiro em dúvida que abraça o verbo do diabo, o blues, em busca de sua libertação. No entanto aos olhos de Lazarus a jovem de curvas fáceis é um desafio a desbravar, uma provação de seu deus, uma curva em seu destino.


O encontro ocorre em uma manhã de domingo. Lazarus se depara com o corpo semi-nu de uma jovem abandonado a beira da estrada frente a sua propriedade. Visivelmente ferida o ele a carrega em seus braços. A jovem, tomada por um ataque febril e delirante tenta envolver Lazarus em seu templo íntimo. Assustado o homem de deus deixa a moça aos gritos e delírios. Porém não desiste da provação que foi lhe dado.


Após investigar com alguns moradores da cidade Lazarus tem a imagem "mundana" de quem é Rae Doole. No entanto ele não desiste de sua tarefa, trazer a jovem a sua sanidade mental, salva-la do desejo incontrolável por sexo. Para isso o homem acorrenta a jovem no aquecedor. Eis que o filme vai ficando cada vez mais interessante. Vemos agora uma batalha entre Ying e Yang, cada qual, lutando contra si mesmo e contra o outro. Cada qual conhecendo a si mesmo e o próximo. Ambos utilizando as suas armas. Doole a sedução e a loucura. Lazarus a dedicação, a palavra de deus e o blues.


CURIOSIDADES SOBRE O FILME


O título nacional “Entre o Céu e o Inferno” pode ser bem atrativo mas o título original faz muito mais sentido à trama. “Black Snake Moan” é uma canção do músico guitarrista, bluesman, “Blind” Lemon Jefferson. A canção fala do desprezo da mãe para com o filho. Com o passar da história descobrimos que os desejos insaciáveis de Rae Doole têm fundamentos além da libertinagem gratuita. Quando criança, ela sofreu abusos sexuais, o sexo sempre esteve presente em sua vida. 


"Blind" Lemon Jefferson foi um dos mais populares cantores de blues da década de 20. Pai do estilo conhecido como “delta blues”. Estilo que teve a sua origem na região do delta do rio Mississippi, nos Estados Unidos. Essa região é conhecida tanto pelos solos férteis e também por sua pobreza extrema. Guitarra e gaita são os instrumentos predominantes. Por essa razão o músico ganhou o título “Pai do Texas Blues”. Mesma razão que o filme traz inúmeras referências ao movimento Mississippi Blues, nomeadamente em seu título e trilha sonora.

A alcunha “blind” (cego) em seu nome é devida cegueira de nascença. Lemon nasceu em 1893 e morreu em 1929 de uma peculiarmente estranha, porém lendária a qualquer filhos do blues. Em seu atestado de óbito diz "provavelmente miocardite aguda". Mas a lendas circulam e isso torna as estórias mais interessantes. Uns dizem que ele morreu após tomar um café envenenado por sua namorada ciumenta. O sujeito era cego, mas parecia não ter apenas as "mãos bobas". Outros dizem que ele sofreu um ataque cardíaco ao ficar desorientado após uma nevasca e teria congelado até a morte. Até um ataque de cachorro louco foi à razão da morte do pobre Blind Lemon Jefferson. Mas a minha versão favorita é aquela que narra sua morte em um assalto na estação de trem. Dizem que ele foi morto roubarem o dinheiro que o músico havia recebido em royalties. Uma morte típica dos filmes de faroeste! Independente da razão de sua morte, Samuel L. Jackson incorporou a essência do velho “blind” ao cantar a triste canção “Black Snake Moan”.


Outra curiosidade bem bacana. Para que Samuel L. Jackson realmente vivesse o músico, ele passou sete horas por dia, durante meio ano aprendendo a tocar guitarra para executar várias músicas que ouvimos durante o filme. As aulas e os exercícios aconteciam nos intervalos e durante a produção do filme “Serpentes a Bordo (Snakes on a Plane)”. O resultado foi mais do que curioso, foi sensacional. O ator realmente absorveu o espírito “Robert Johnson” que existe em todo músico. Todas as canções interpretadas ficaram sensacionais. Direi as minhas favoritas. Além da música com título “Black Snake Moan” que ficou totalmente sombria, recomendo a canção sangue-no-olho, “Stack-O-Lee”. A canção narra uma briga entre dois sujeitos ao estilo "Say what again motherfucker" de Jules Winnfield, personagem de Samuel L. Jackson em Pulp Fiction.




Christina Ricci, nossa eterna “kat” do filme “Gasparzinho, o Fantasminha Camarada (Casper) 1995” entrou na personagem utilizando correntes reais que pensavam 40 libras (18 kg). As calcinhas utilizadas eram de suas próprias gavetas, assim como um par de botas de cowboy, uma jaqueta Wrangler e um short. Antes do início das filmes e durante  a atriz comia apenas alimentos sem valor nutricional para alcançar uma aparência doentia. Além de andar apenas de calcinha durante toda gravação para encarnar a naturalidade de não usar quase nada.

Tanto Christina Ricci, quando Samuel L. Jackson tiveram uma atuação incrível. Apesar do filme não ter sido lançado nos cinemas, consagrado “Black Snake Moan” como o retorno aos grandes papéis, tanto para Samuel L. Jackson que não víamos nada parecido desde "Pulp Fiction (1994)" do Quentin Tarantino, quando para Christina Ricci. Já o diretor Craig Brewer tem mais dois filmes assinados com a sua direção, porém nenhum deles teve tanto impacto quanto esse em questão.

Além do filme, disponibilizo aos amigos leitores a trilha sonora de “Black Snake Moan” que vai muito além de uma mera trilha sonora. Há uma verdadeira coletânea de vozes atuais do blues. Sendo que das 17 músicas, 4 são executadas por Samuel L. Jackson. Afinal o objetivo desta nova série de postagens intitulada FILMES QUE FALAM DE MÚSICA é justamente esse, mostrar uma outra linguagem da sétima arte e falar de outra expressão que também traz vida a nossa alma – a música.

Bom filme a todos e comentem a postagem! Alimente o blog com seu ponto de vista e fique por dentro das atualizações através do facebook [AQUI]


FICHA TÉCNICA

Direção: Craig Brewer
Título Original: Black Snake Moan
Título de Divulgação no Brasil: Entre o Céu e o Inferno
Gênero: Drama
Ano: 2006
Minha nota: 8,5

TRAILER




DOWNLOAD DO FILME

Torrent do filme 


Legendas em Português/ Inglês (Legenda BSM.rar)


DOWNLOAD SOUNDTRACK

1. Opening Theme - Scott Bomar
2. Ain't But One Kind of Blues - Son House
3. Just Like a Bird Without a Feather - Samuel L. Jackson
4. When the Lights Go Out - The Black Keys
5. Standing in My Doorway Crying - Jessie Mae Hemphill
6. Chicken Heads - Bobby Rush
7. Black Snake Moan - Samuel L. Jackson
8. Morning Train - Precious Bryant
9. The Losing Kind - John Doe
10. Lord Have Mercy on Me - Outrageous Cherry
11. Ronnie and Rae's Theme - Scott Bomar
12.  The Chain - Scott Bomar
13. Alice Mae - Samuel L. Jackson
14. Stack-o-lee - Samuel L. Jackson
15. Poor Black Mattie - R. L. Burnside
16. That's Where the Blues Started  - Son House
17.  Mean Ol' Wind Died Down

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